‘Catastrófico’: como ficou o centro de Mariante, vila gaúcha varrida pela inundação

Moradores começaram a voltar ao local quase 20 dias das cheias que atingiram 80% das casas e destruíram o único posto de saúde, a única escola e um trecho da rodovia que leva ao centro de Venâncio Aires.

Uma montaria morta, um caminhão e uma moto soterrados, outros veículos e imóveis ainda parcialmente submersos, asfalto e paredes arrancadas, lama.

Esse é o cenário encontrado pelos moradores ao voltar, no início desta semana, a Mariante, distrito de Venâncio Aires, no Rio Grande do Sul, que havia sido ilhado por conta das chuvas que assolaram o local há mais de 20 dias.

“O cenário é realmente de guerra, catastrófico. Essa região sempre foi de alagamento, mas foi a primeira vez [que ficou] devastado”, diz o prefeito de Venâncio Aires, Jarbas da Rosa (PDT).
Como o g1 mostrou, a vila centenária, às margens do Rio Taquari, fica em uma das regiões habitadas do Rio Grande do Sul mais atingidas, segundo estudos da Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS). Estimativas de profundidade indicam que o nível de água, que chegou a 4 km do leito do rio, lá superou grande parte do medido em outras regiões. Especialistas apontam dois possíveis motivos para isso:

A localização em um vale e a falta de mata ciliar tornam a vila mais propensa às cheias – em 2013, o Serviço Geológico Brasileiro (SGB) classificou a região como de alto risco para inundações e recomendou a recomposição da vegetação às margens do Taquari;
Além disso, as enchentes de setembro e novembro de 2023, que também atingiram a vila, podem ter contribuído para tornar a vila ainda mais vulnerável ao dilúvio de 2024, ao aumentar o assoreamento do rio na região.
Os 1,5 mil moradores tiveram os pouco mais de 600 lares existentes na vila – 80% delas foram atingidas pelas enchentes, segundo a prefeitura. A única escola e o único posto de saúde foram destruídos. A rodovia que liga a vila ao centro de Venâncio Aires foi rasgada.

‘Não reconheci meu comércio quando entrei’
Jair Garcia, de 55 anos, é dono da Agropecuária Paraíso desde 2008. Ele viu sua loja encher de água sem saber qual seria o prejuízo.

Com as vias de Mariante destruídas, Garcia precisou esperar cerca de duas semanas para voltar à loja e avaliar a dimensão das perdas.

As prateleiras usadas para empilhar os produtos foram derrubadas, a energia foi cortada, as paredes descascaram. Todo o dinheiro que havia no caixa eletrônico que estava na loja esfarelou.

“Eu não reconheci meu comércio quando entrei”, disse o proprietário, que ainda não calculou o valor do prejuízo.

Garcia diz que já estava acostumado com enchentes. Geralmente, conta, bastava colocar os produtos nas prateleiras mais altas, esperar a chuva passar, a água escorrer pelos bueiros, e limpar a loja.

“Mas, dessa vez, não deu tempo […] Essa catástrofe veio muito rápido, pegou todos, ninguém estava preparado para algo dessa magnitude”, declarou.

‘Não quero voltar’
Dois cachorros, uma geladeira, um micro-ondas, um forno elétrico, uma fritadeira elétrica, duas panelas de ferro e algumas peças de roupa. Isso é tudo que Claudiomiro Pacheco, de 53 anos, conseguiu salvar da sua casa em Mariante.

Agora, ele não quer voltar a morar no distrito.

“Se depender de mim, não [quero voltar a Mariante]. Para morar lá tem que reformar e eu não tenho dinheiro. A minha renda já está comprometida. Eu morava bem perto do rio”, disse.
Ex-marinheiro, Pacheco morava ao lado da casa da mãe e em frente a do irmão — que foi destruída pela água.

A casa que dividia com a filha de 17 anos pertencia a ele. No abrigo em que está refugiado, Pacheco aguarda pela avaliação da prefeitura sobre se poderá ser contemplado com o auxílio aluguel.

Para além da incerteza sobre o valor do benefício, ele teme que os poucos eletrodomésticos salvos não voltem a funcionar. Mais do que isso, ele teme que o aumento no preço dos aluguéis na região dificultem a busca por um novo lar.

“A procura de casa aqui está difícil. Acontece uma tragédia e [o valor do aluguel] sobe por causa da demanda. As pessoas falam que tinham alugado a casinha, acho que era em torno de R$ 700 e pouco, mas já estão cobrando mil reais. Aumenta a demanda, né?”, diz.
Retorno a Mariante
A Prefeitura de Venâncio Aires, que ainda não tem o número de pessoas que ficaram sem ter para onde voltar com as chuvas, pretende construir casas para os desabrigados longe do centro da vila de Mariante.